
Ângela Marques
Licenciatura em Filosofia e Mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Título de especialista em Teatro pela ESMAE/IPP.Quando a Vale do Sousa TV me convidou para escrever regularmente um artigo de opinião, hesitei. Afinal, não fui nada e criada na região nem habito em nenhum dos seus concelhos. Depois, aceitei. Porquê? Porque há mais de 10 anos que desenvolvo trabalho profissional no concelho de Paredes e, por isso, poderá ter interesse parar para reflectir convosco, mensalmente, sobre o que tenho feito e sobre o que gostaria de fazer por aqui. E, para começar, o melhor será dar-me a conhecer, a quem ainda não me conhece, e aos meus interesses.
Estou a falar de teatro, pois claro, e da associação cultural Astro Fingido, que criei em 2008 com o Fernando Moreira (esse sim, um “filho da terra”). O Fernando queria fazer uma peça que falasse de Lordelo. A escolha recaiu sobre o ciclista Ribeiro da Silva, a estreia aconteceu no auditório da Fundação ALord e foi um sucesso. O espectáculo (apoiado pela Direção Geral das Artes (DGArtes) integrava membros da comunidade e fez-nos acreditar que valia a pena continuar. Estávamos em 2010. No ano seguinte criámos “O Grito dos Pavões”, a partir da recolha de poemas escritos por crianças de Paredes e do Porto (de novo com o apoio da DGArtes). E a seguir o deserto que a crise nos trouxe! Não desistimos da Astro Fingido, e focámo-nos na formação (a outra vertente da associação) com uma oficina de Filosofia com Crianças em infantários e escolas do 1º ciclo do Porto; começámos com 5 turmas (em regime de coadjuvação) e terminámos com 92, passados 11 anos.
Mas não esquecemos o Teatro e a região do Tâmega e Sousa também não se esqueceu de nós. Foi em 2014, depois de um interregno de 4 anos, que recebemos o convite da Rota do Românico para criar um projecto teatral com a comunidade que trabalhasse o património; fizemos então “A Torre dos Alcoforados”. E ficámos de novo sem meios que nos permitissem trabalhar onde parecia sermos tão bem recebidos. Tivemos de esperar por novo apoio da DGArtes, em 2018, para criarmos “Mulheres Móveis” a peça de teatro que colocou na ordem do dia a história das carreteiras de Paredes. Continuávamos a fazer falar a História do concelho, mas desta vez o tema era universal – o trabalho feminino não devidamente reconhecido. Fizeram-se entrevistas e documentários, apresentámo-nos de norte a sul do país (Bragança, Lousada, Paredes, Felgueiras, Póvoa de Varzim, Maia, Porto, Coimbra, Fundão, Serpa, Faro e estão agendadas as idas a Ílhavo e a Montemuro, ainda este ano). Foi depois da visita a Coimbra que fomos convidados para integrar a Rede Artéria com um projecto, “A Rua Esquecida”, que decorreu no Fundão, em Viseu, na Guarda e em Belmonte. Com o suporte da GDA (Gestão dos Direitos dos Artistas) fizemos “O Potencial Feminino” e continuámos a fazer candidaturas a apoios para podermos desenvolver a nossa actividade profissional.

Foi em 2020 que finalmente acreditei que a Astro Fingido tinha alcançado as condições para se afirmar como companhia profissional do concelho de Paredes. Durante 3 anos não parámos: “Terra Queimada” (concurso da Direção Regional de Cultura do Norte/AGIF – Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais), “Moço da Cola”, “Bosque do Piripak”, “Mascarada” e “Bruma”, em coprodução com o Teatro do Bolhão (apoio bienal da DGArtes), “A noite sempre ao meu lado” (Escrita em Cena – Rota do Românico, Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa, Associação de Municípios do Baixo Tâmega e Município de Penafiel), “Brancas Memórias” (apoio Garantir Cultura), a organização do MAPPA (Música, Artes e Património em Paredes) e do FAMP (Festival de Artes em Madeira de Paredes) a convite do município de Paredes, mas também o teatro como recurso para combate ao insucesso escolar com a oficina “TOU-in” em 5 municípios da CIM Tâmega e Sousa (Amarante, Baião, Cinfães, Lousada e Penafiel). No entanto, recentemente tivemos um duro revés na nossa atividade, pois a candidatura que fizemos aos apoios sustentados bienais (2023/24) da DGARTES, apesar de elegível, não foi apoiada por falta de dotação financeira. O Ministério de Cultura decidiu reforçar exclusivamente o apoio aos quadrienais, prejudicando, deste modo, as companhias que se candidataram aos bienais. Num concurso nem todos os candidatos podem ganhar, são as regras do “jogo”. Mas não se podem alterar as regras com o “jogo” a decorrer e é isso que, juntamente com 17 outras estruturas, contestamos agora nos tribunais.
Queria que soubessem quem sou e a minha ligação ao Vale do Sousa. O trabalho que fui desenvolvendo, com a Astro Fingido e o Fernando Moreira, criou laços que não pretendo desatar. O público cresceu, o reconhecimento também (este convite é fruto disso). Há espaço e vontade para fazer mais e melhor. Paredes, que sempre apoiou o teatro amador, merece ter uma companhia profissional residente a desenvolver um trabalho de continuidade para e com a comunidade. O concelho vai finalmente ter um Teatro como merece, com as condições necessárias para fazer e acolher teatro, música, dança com a dignidade e qualidade que estas artes merecem. Quero, com a Astro Fingido, fazer parte do trabalho crescente que o município tem feito em prol da Cultura, um trabalho premente a ser feito aqui e agora.