José Carlos Carvalheiras
Sociólogo, autor de várias obras sobre identidade cultural e memória coletiva, cronista, ensaísta, guionista de teatro e cinema– perspetiva estruturo-funcionalista da feminização municipal
Uma breve análise à distribuição dos pelouros e serviços municipais entre homens e mulheres do Vale do Sousa (e arredores) parece prefigurar uma seleção natural das competências e vocações, conforme o género feminino ou masculino (sem os subgéneros que a pós-modernidade avançada tem vindo a criar). Vou deter-me um pouco na rama disto, sem mergulhar nas profundezas da análise, pois de tese não tem o propósito deste escrito, muito embora me pareça temática merecedora de investigação, quiçá em sede académica.
A sensibilidade feminina é um dos argumentos de peso para entregar a Cultura e a Ação Social às mulheres autarcas. Devia ser argumento para muito mais e noutras esferas do poder. Mas é o que é. Elas têm vindo a desempenhar funções portentosas em cada uma dessas áreas. As autarcas valsousenses não raras vezes vão além das políticas paliativas de solidariedade e empreendem verdadeiros milagres sociais em combates tenazes contra fenómenos atrofiantes e desgraçadores, como é o caso da copofonia e a colateral porrada nos seres indefesos.
Basta auscultar aqui e ali uma ou outra IPSS independente ou esta e aquela ONG para se colher parecerem abonatórios das políticas sociais autárquicas.
As mulheres levam isso muito a sério. Veja-se este caso que me parece paradigmático: num destes dias estava eu e um associado em reunião num gabinete autárquico da região quando a mesma foi interrompida pela entrada de uma assessora que se dirigiu à senhora vereadora dizendo tão somente “aquele caso ficou muito grave”. De semblante carregado de preocupação e envergando o papel de socorrista que arregaça as mangas e se lança ao desafio, a autarca saiu porta fora deixando um murmurado “peço imensa desculpa”, que era desnecessário, tal era a evidência da urgência que motivava a sua saída. De facto, era um caso de superior gravidade social. E a vereadora não mandou ninguém atuar ou intervir, foi ela própria superintender uma qualquer diligência que se mostrava premente. E não parecia ser pera doce, como não o são de um modo geral as ocorrências disfuncionais da sociedade, nomeadamente as que envolvem idosos ou crianças em situações in extremis.
De um modo geral, estas autarcas sentem e vivenciam o seu trabalho com um inusitado cunho maternal. É aqui que parece ganhar toda a dimensão real a expressão tradicional são mulheres de vida. São extremamente diligenciadoras, sobretudo nos atos e ideias que envolvem valores humanistas como a solidariedade e o altruísmo.
Figurativamente falando, na Ação Social elas vestem fato de macaco e dão aso à sua tenacidade e bravura. Mas na Cultura desfilam trajes de gala e patenteiam criatividade e elegância nas dinâmicas culturais dos respetivos municípios. As mulheres colocam nas políticas culturais a sensibilidade acima da racionalidade e da tecnocracia e isso é fundamental para a plena afirmação e fruição cultural de um município.
Estas características enunciadas, que são vitais para a funcionalidade e estruturação social e institucional, pode-se encontrar nas felgueirenses Ana Medeiros (Cultura) e Rosa Pinto (Ação Social), na lousadense Maria do Céu Rocha (Ação Social), na penafidelense Daniela Oliveira (Cultura) e em Beatriz Meireles (Cultura e Ação Social) da Câmara de Paredes. Pode-se também incluir aqui, embora esteja fora de cena, a pacense Filomena Silva, que tinha a Cultura em Paços de Ferreira, mas pediu suspensão do mandato.
Não sendo autarcas, mas dirigindo serviços culturais, outras mulheres se destacam: em Penafiel a diretora da biblioteca, Adelaide Galhardo; funções idênticas tem Maria Antónia Silva, em Paredes, enquanto em Lousada o cargo de bibliotecária mor está com Adelaide Pacheco.
Enquadrando-se a preceito nesta temática estão também as mulheres das vizinhanças, como Ana Maria Rodrigues, vereadora em Valongo e a antiga diretora da Rota do Românico do Vale do Sousa, Rosário Correia Machado, que dirige o departamento cultural de Amarante.
E dos homens, que dizer? Por ora não me apraz alongar acerca. Fico-me pela ideia de que aos homens autarcas cabem sobretudo as questões físicas ou materialistas, coisas do tipo empreitadas betuminosas e edificações em betão, as rédeas da estratégia e do foro financeiro.
É assim a minha perspetiva estuturo-funcionalista mediante o que me é dado ver neste (ainda) tradicional rincão valsousense. No vizinho Marco de Canaveses mora a exceção a esta regra, com a presidência municipal da socióloga Cristina Vieira.
Podia dizer mais umas coisas, mas nunca chegaria aos calcanhares da abordagem do Miguel Costa Pinheiro de Araújo Jorge, um famosíssimo músico da Maia, que tem uma verdadeira dissertação cantada com o título Os Maridos das Outras.
PS – Ainda vai a propósito um post scriptum para assinalar que a extraordinária primeira ministra da Finlândia, Sanna Marin foi agora desapossada pela masculinidade reinante na ultraconservadora Direita finlandesa, que venceu as eleições recentes…