
Vitor de Sousa
Docente universitário e investigador. Gosta de fotografia, de ler, de ver futebol... Preza, acima de tudo, o ócio. O que lhe dá balanço para olhar e refletir sobre o mundo.Logo após o 25 de Abril, andava eu na primeira classe da Dª Amélia, frequentando as aulas numa escola de Penafiel, onde vivia, vi taparem o crucifixo da sala de aula com o poster “MFA, Povo/Povo, MFA”. Isso aconteceu em todas as outras salas. Uma meia-dúzia delas. Na altura, pouco liguei à alteração. Era-me familiar o cartaz (bem familiar, de resto, já que em casa dos meus pais a revolução foi acolhida com grande entusiasmo).
Na segunda classe, já noutra sala, os então “professores estagiários” (ligados ao Magistério Primário da cidade), já não sei bem a propósito de quê, incentivaram-me, a mim e aos outros colegas, a pintar um mural que estava à entrada do edifício, mesmo ao lado da porta principal. Um mural de azulejos azuis e brancos ficou, de súbito, todo pintalgado de tinta amarela, vermelha, azul… Uma verdadeira “obra de arte” coletiva de todos quantos pegaram nos pincéis e meteram mãos à obra.

Já depois dos 18 anos, quando fui votar já não sei em que eleições, tinha como destino a minha antiga escola. Ia cheio de entusiasmo: votaria pela primeira vez!!!| Ia exercer um direito por que muitos tinham lutado e uma das razões para que o 25 de Abril tivesse tido lugar. Já atraído pelas lides jornalísticas (ainda era um aprendiz de jornbalista) olhei em volta. Olhar para ver e interpretar o que via. Para absorver um ambiente ao qual não voltara há muitos anos. Parecia-me tudo diferente. Mas igual. Afinal cedo percebi que eu é que tinha mudado mais. Percebe-se assim o porquê de as sociedades não serem reificadas, ao contrário do que muitos propalam.Voltemos ao mural. Ele estava no mesmo sítio. Mas já sem a intervenção surrealista do grupo de alunos que integrei e, afincadamente, deram nos pincéis como se não houvesse amanhã. Limpo. Fui ler, por curiosidade, o que rezavam os azulejos, para tentar perceber o porquê de nos terem incentivado a pinta-lo: era sobre uma doação que alguém tinha feito para a construção do equipamento, com uma referência final ao “Estado Novo”. Do género, “Estado Novo, tantos de tal de mil novecentos e troca o passo”. Sorri. Entrei na mesa de voto. Era a “minha” sala, onde o poster do João Abel Manta tapara o crucifixo que estava na parede, por cima do quadro. Em tons de verde e branco. Com um militar do MFA, com a sua espingarda, ao lado de um cidadão, representando o “povo” (o que será isso?), de espalhadora na mão. Pois bem: o poster, desaparecera. Mantinha-se o crucifixo. Sorri, outra vez.
25 de Abril, sempre!