
Renato Ferreira
Professor do ensino básico e secundário. Poeta e fotógrafo amador nos tempos livres. Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas pela FLUP e Pós-graduado em Supervisão pedagógica e formação de formadores.E é tão raro e tão gratificante conversar com alguém que sorri, que tem sempre uma palavra agradável, seja qual for o tema da conversa…
A comunicação. Uma das mais fortes características distintivas que nos colocaram como espécie dominante deste planeta. Necessária a diversos níveis, pessoal, social, institucional, profissional, a comunicação obedece a um conjunto de regras e rituais. Factores como o meio social, as habilitações, a idade, o contexto têm uma significativa influência na comunicação interpessoal. Todavia, há um outro factor muito mais decisivo e condutor da comunicação: é o factor humano!
O que é isto do factor humano? Philip Roth, romancista americano, descreveu em “A Mancha Humana”, 2000, a fraqueza como componente inevitável da natureza humana. Aí, desfia a história de um indivíduo que constrói a narrativa da sua vida, ao longo de décadas, com base numa mentira. Ao ser desmascarado, após a sua morte, é toda uma rede complexa de relações e estatuto social que se desfaz, porque os rótulos são mais fortes do que o percurso de uma vida, mesmo se erguidos sobre uma outra mentira, uma mentira que nasce da primeira mentira. Ironicamente.

Para não me desviar por completo do que tinha em mente para este artigo, o factor em causa é o carácter! Pouco importa a idade, os estudos ou meio onde se nasceu ou cresceu, mas sim se o carácter é alcalino ou ácido. Um diálogo pode ser descrito ou caracterizado com recurso à escala do pH que estudámos em química, na escola. Apesar de não abdicarmos do café, do vinagre ou do sumo de laranja, devemos evitar os excessos de acidez. E se assim é na alimentação do corpo, também o é na do espírito, na comunicação e na construção das emoções e dos sentimentos: devemos evitar tudo o que nos pode causar dano.
Essa toxicidade, infelizmente, não se consegue combater com vacinas ou equipamentos de protecção individual. Combate-se com um melhor conhecimento de si próprio e da capacidade de alheamento ou afastamento daqueles que carregam em si esse vírus. Pessoas que confundem palavras com gestos, pessoas incapazes da alteridade, incapazes de erradicar a mentira e a conspiração do seu quotidiano; pessoas infelizes, em suma. E isto porque, pensam, serão recompensadas. Porque, à falta de outras competências humanas, singram realmente na vida, nas relações sociais, nas profissionais. Porque os outros não sabem defender-se (quantas vezes ignoram sequer a existência desses ataques, dessas intrigas palacianas). Maquiavel, escritor italiano (“O Príncipe”, 1513, um relato das dinâmicas do poder e da ausência de escrúpulos), não surgiu de geração espontânea e todos sabemos que deixou herdeiros. Não é fruto do acaso o seu nome ter sido convertido em adjectivo.
Do outro lado da escala, razão de ser primeira deste artigo, temos aquelas pessoas sem maldade intrínseca. Pessoas que nos acalmam pela tranquilidade que nos transmitem e que as rodeia. Que nos tentam fazer esquecer os conflitos diários, quando não solucionar os vícios de perspectiva, o egoísmo, a opressão, a maledicência. E é tão raro e tão gratificante conversar com alguém que sorri genuinamente, que tem sempre uma palavra agradável, seja qual for o tema da conversa. Quantas destas pessoas conheci? Com quantas me cruzei eu? Talvez uma mão cheia…
Renato Ferreira