José Pedro Barbosa
Licenciado em Jornalismo, Comentador de Basquetebol e antigo Maestro. Encontra na Música e no Desporto alguns dos prazeres da vida.Olhar para o universo desportivo em Portugal e pensar em algo que não seja Futebol pode ser considerado sacrilégio, não se tratasse, obviamente, da “religião” mais importante e fundamental do país de Camões.
Se ligarmos a televisão, lermos os jornais, ouvirmos a rádio, olharmos para as notificações no telemóvel, ficaríamos com a ideia (certa, mas errada) de que a relação entre o relvado e a bola, de beleza indiscutível e irrefutável, é a única que merece um tratamento de destaque e superioridade.
Congratulações políticas, festejos insanos, discussões palermas sobre foras de jogo e foras de cabeça, tudo isto vai assombrando um jogo tão bonito, que muito tem para contar e alegrar, acabando por corromper tudo o resto que vai sobrevivendo, nos olhos do público, à custa de feitos únicos.
Este sábado, dia 27 de maio de 2023, João Almeida, ciclista português de 24 anos, confirmou um histórico terceiro lugar no Giro d´ Itália, uma das três grandes voltas do Ciclismo de estrada, tornando-se apenas no SEGUNDO português da história a subir ao pódio de uma grande volta, após 21 etapas de sofrimento, esforço e dedicação em cima de uma bicicleta.
Depois do sonho cor-de-rosa em 2020, o corredor natural de A-dos-Francos foi trazendo ao longo da sua ainda curta carreira, uma esperança diferente para os amantes do Ciclismo e um ídolo para quem gosta, apenas e só, de apoiar “vencedores”, independentemente da modalidade.
Venceu uma etapa mítica no Monte Bondone, uma subida que representa muito para o ciclismo internacional, tornou-se no primeiro português a conquistar a Classificação da Juventude numa grande volta e uma vitória na Classificação Geral era e continuará a ser a esperança de muitos. Mas deixemo-nos disso. Temos de nos lembrar que, no mesmo dia, tivemos a última jornada do Campeonato Nacional de Soccer, que merece, de longe, trinta das 38 páginas em todos os jornais desportivos (três equipas, vá).
João Almeida takes the stage win!
— Eurosport (@eurosport) May 23, 2023
Geraint Thomas takes the maglia rosa!
What a battle in the mountains ⚔️#giroditalia pic.twitter.com/nZqN9T2LQq
Como é que saberia das lesões, dos comentários sobre as equipas de arbitragem, das guerrilhas entre presidentes e agentes e do que é, realmente, de interesse público? Por acaso somos um País com atletas com títulos internacionais (repito, internacionais) em (passo a citar alguns, porque estabeleci um limite de carateres): Ciclismo, Atletismo, Futsal, Hóquei em Patins, Boccia, Patinagem Artística, Judo, Taekwondo.
Quem é que não gosta de assistir, a cores e em HD, a um jogo da Ronda Preliminar da antiga Taça da Cerveja, quando há conquistas, nacionais e internacionais, que vão carregando o Desporto Português ao longo dos anos, e que aparecem, em notas de rodapé, nas nossas vidas?
Mas atenção, o Futebol é bonito, nada contra o jogo que encanta e as táticas que intrigam, há muito para aprender, discutir (de forma saudável) e narrar. Só porque somos prisioneiros do relvado, não quer dizer que só possamos viver nessa esfera.
No meio dos que têm tudo (atenção, nem todos têm tudo no Futebol), vivem os que lutam, com carolice, pelo sucesso individual e coletivo, por um minuto de atenção nacional, por um momento fugaz de apreço por tudo.
Ó Almeida, como representante atual “dos outros”, queremos muito que sirvas de exemplo e que trates a miopia incurável dos “tugas”. Entre Ribeiros e Monteiros, Agostinhos e Ribeiros, Motas e Lopes, há heróis que ainda vivem fora de uma esfera redonda, sedenta por polémicas e palermices que espelham o estado de uma sociedade incurável.