José Carlos Carvalheiras
Sociólogo, autor de várias obras sobre identidade cultural e memória coletiva, cronista, ensaísta, guionista de teatro e cinemaEle é feroz, não é manso. Mas o capital veste a pele da mansidão de um cordeiro em inúmeras situações, sobretudo ao arvorar-se paladino do bem-estar dos consumidores. Exemplo: os detentores do grande capital não querem tão somente e em primeira instância acabar com as filas dos hipermercados per si. Adeus às filas malvadas. A que preço? Máquinas significam mais lucro, menos recursos humanos, mais rapidez. Nesta equação onde fica a humanização e o proletariado?
Sob o insensível e implacável desígnio do ultracapitalismo avarento e ganancioso, caminhamos para onde? As máquinas de “pagamento expresso”, em rápida expansão nos hipermercados, vão tomar conta de toda a linha de pagamento num par de anos. Sim, creio que dentro de dois ou três anos não haverá hipermercados com “caixas registadores”, nem “balcões de atendimento”. Vai ser tudo automatizado, despersonalizado, desumanizado. Quando há uns anos li no semanário Expresso que “um dia vamos poder entrar nas lojas sem carteira, pegar nas coisas que queremos comprar e fazer todos os pagamentos por biometria”, torci o nariz. Já não estou cético.
“Máquinas de pagamento expresso” são assim batizadas para fazer denotar rapidez, são mais um dos muitos processos de desregulação social e de aniquilação do proletariado. Multiplica-se a mecanização e automatismos, mais e mais procedimentos à distância esvaziam a Humanidade da sua essência, o humanismo, a interação face a face. Mais uma facada nas relações sociais, que definham a uma velocidade vertiginosa. O individualismo, silenciosamente gritante, expande-se e dilacera esse modus vivendi que já pertence ao passado e vai sobrevivendo em fogachos ainda tradicionais. As pessoas falam cada vez menos e teclam cada vez mais. Falam entre si por mensagem e códigos digitais mesmo quando estão a escassos metros. E o capitalismo, esse glutão insensível, não para de contribuir para essa tal desumanização. Outrora, mecanizar a produção era algo que se vinha fazendo desde o início da revolução industrial com o intuito de produzir mais para satisfazer a procura. Depois o objetivo da introdução das máquinas foi sendo outro. Descartar mão de obra. Menos recursos humanos. Menos custos de produção. Sem atender aos interesses do proletariado. É a ganância de quem tem e quer mais. E a riqueza mundial a concentrar-se em cada vez menos pessoas. E os pobres cada vez mais miseráveis. A mobilidade na estratificação social é uma falácia. E que faz o Estado? Assobia para o lado, lança umas medidas paliativas para tapar olhos e expele alto e bom som um prosaico “Viva a liberdade, das pessoas e do mercado”. Entretanto, o capital vai dizimando o planeta e a humanidade. Não são as máquinas, nem a inteligência artificial. É esse glutão ganancioso e avarento que se finge cordeirinho…