Joaquim Luís Costa
Licenciado em Ciências Históricas, mestre e doutor em Ciência da Informação. Historiador.Regularmente, as civilizações entram em confronto devido aos contextos da época. A Idade Média é disso exemplo, com a Reconquista Cristã. Após a guerra, chegou o tempo da paz e da partilha de saberes, como foi o caso da arte azulejar islâmica.
A Reconquista Cristã foi o ato de conquistar militarmente o território ibérico que estava quase na totalidade ocupado pelo mundo muçulmano. A exceção era a região das Astúrias. Foi a partir daqui que, por volta do ano de 718, se iniciou a recuperação do território, permitindo a criação dos reinos cristãos. Em meados do século XIII, o último território que faltava conquistar era a Andaluzia, que deriva de Al-Andalus, a designação árabe para Península Ibérica. A conquista de Granada, em 1492, pelos reis católicos espanhóis pôs fim a esse território sob domínio islâmico. A Reconquista Cristã foi um processo que decorreu entre os séculos VIII e XV, com muitos avanços e recuos. Para o seu sucesso contribuíram a perseverança dos reinos ibéricos, os apelos papais para se lutar contra os “infiéis”, o auxílio de diversos reinos europeus cristãos, a chegada de Cruzados e de cavaleiros de ordens religiosas e militares, bem como as divisões internas no próprio Império Muçulmano.
Apesar de a vitória ter sido cristã, isso não significou o fim da presença árabe na Península Ibérica. A sua influência é visível nos mais variados domínios, como na cultura, usos e costumes, na antroponímia e toponímia, nas artes… Todos conhecemos inúmeros exemplos.
De entre esses exemplos, gostaria de destacar a aplicação da arte islâmica na decoração de palácios e de igrejas católicas, através de belíssimos azulejos, designados por mudéjares ou por hispano-mouriscos, cuja introdução se deu a partir dos finais do século XV.
Sucintamente, mudéjar é o muçulmano que praticava a sua religião e profissão, de forma livre, mas sob o domínio de um reino cristão. Já o termo hispano-mourisco pode ser entendido como as artes praticadas por esse povo na Península Ibérica, como a arquitetura e, em particular, a azulejaria, com forte presença produtiva em Sevilha.
Sucede que houve sempre a ideia em Portugal de que a influência artística árabe se centrou no sul do país, devido à sua localização mais próxima da Andaluzia e que essa influência não chegou ao Norte. Mas não foi bem assim. A nossa sub-região do Tâmega e Sousa é exemplo disso.
Ao visitar o Mosteiro de São Pedro de Cête (Paredes), irá encontrar a capela de D. Gonçalo Oveques decorada com estes azulejos, num padrão centrado no azul, verde e castanho, aplicado sobre fundo branco. Também os encontra nas igrejas de Jazente (Amarante) e de Escamarão (Cinfães) e na capela de Fandinhães (Marco de Canaveses). É ainda possível visualizá-los, embora descontextualizados, no Centro de Interpretação do Românico, em Lousada. Estes azulejos são de uma beleza indescritível, evidenciando a qualidade artística islâmica.
Importa referir que, por muito que tivéssemos “expulsado” territorialmente o mundo islâmico, a sua cultura, usos, costumes e artes permaneceram entre nós – e ainda bem –, em todo o país, com especial destaque nas igrejas da nossa região. Religiosamente, a presença de azulejos mouriscos evidencia o caráter inclusivo da Igreja Católica, porque reconheceu que a civilização contra quem “lutou” tinha qualidades. Socialmente, esta arte fascinou-nos e influenciou a indústria de azulejaria nacional que adaptou as técnicas islâmicas aos gostos ocidentais.
Se desejarem aprofundar o tema, sugiro a leitura da investigação de Rafaela Xavier, de 2020, sobre a catalogação destes azulejos no Palácio Nacional de Sintra, no âmbito dos seus estudos de mestrado em História da Arte e Património na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.