Renato Ferreira
Professor do ensino básico e secundário. Poeta e fotógrafo amador nos tempos livres. Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas pela FLUP e Pós-graduado em Supervisão pedagógica e formação de formadores.As pessoas fingem dizer a verdade, nós fingimos que acreditamos…
O tema das inter-relações pessoais é um assunto que me toca de perto. A comunicação é a minha ocupação a tempo inteiro, é parte integrante da minha profissão. E quem diz comunicação, diz verdade e mentira.
Não nos podemos esquecer que, no início, era o verbo e a partir do momento em que o planeta passou a ter três habitantes, começaram as alianças e as oposições, o dois contra um. Enganar, mentir, para certas pessoas (que não as pessoas certas), é algo de natural ou de inato, como o escorpião que, reza a fábula, não abdica da sua natureza, mesmo que isso lhe custe a vida.
Mentir, omitir, faltar à verdade ou, nos “neologismos” que os políticos usam cinicamente como as inverdades, os lapsos, os inconseguimentos, é algo que está a embeber-se no nosso quotidiano e a banalizar-se, a mentira torna-se relativa em vez de absoluta e desculpável em vez de reprovável, até quase não conseguirmos identificá-la ou recusá-la. E limito-me à mentira intencional, voluntária.
Daqui decorre que existe uma variedade de contextos onde se impoem: socialmente, aceitam-se umas; politicamente, desvalorizam-se outras; intimamente, nunca ou raramente se perdoam; profissionalmente, nunca se esquecem; amigavelmente, toleram-se com mais ou menos bonomia; publicitariamente, tentam moldar-nos a vontade; artisticamente, servem a ficção e a recreação pessoal e social; piedosamente, apresentam-se como mais úteis do que a verdade.
Versando as características, e de forma não exaustiva, podemos começar pela chamada mentira inocente, ou branca, uma tentativa de ocultar uma verdade desagradável ou considerada desnecessária pelo seu autor; a omissão, que, embora parecendo inocente, pode não ser tão inofensiva quanto isso; ainda na linha das menos graves, o exagero, que tem, por vezes, o condão de irritar o interlocutor; a mentira “honesta”, aquela que é dita pensando dizer-se a verdade. No outro extremo temos a enganadora, quando a verdade é menos verosímil do que a mentira; a descarada, aquela que mente com convicção tentando esconder-se à vista de todos; a utilitária, aquela que beneficia o seu autor; a compulsiva ou patológica, que se tornou um vício, uma “necessidade básica” do mentiroso; a difamatória, por fim, que é usada não com o objectivo do benefício próprio, mas para prejudicar alguém de modo desonesto.
Mas, como lidar com a mentira? Hoje em dia, já existem especialistas e formações para todos os gostos em “gestão intercultural” que abordam diferentes perspectivas, de acordo com características regionais e culturais: a crítica directa e indirecta. Posto de forma simples, há povos cuja relação com a mentira é mais frontal, o próprio vocabulário empregue é intensificado por advérbios como “completamente” ou “absolutamente”, pois aquela é vista como uma ofensa grave. Aqui, neste contexto, a tolerância é menor. A mensagem que passa ao prevaricador é a de que esse comportamento é errado e deve ser alterado.
Já em culturas onde a abordagem é mais indirecta, a crítica é atenuada através de palavras que a suavizam, como “aproximadamente” ou “um pouco”. Esta espécie de “hipocrisia”, a que alguns chamam “diplomacia”, permite atenuar o confronto e dar, talvez, uma nova oportunidade a quem não foi correcto para se redimir e mudar de atitude para com os outros, relativizando a gravidade da falha, sem aquela sanção social de outras culturas.
Quem conseguiu ler até aqui, terá como recompensa uma ferramenta, que espero útil, para classificar as conversas do quotidiano, avaliar a gravidade das informações em que nos querem fazer crer, evitando “Polígrafos” que, de tão enviesados por vezes, nos deixam com mais dúvidas do que certezas.