
Renato Ferreira
Professor do ensino básico e secundário. Poeta e fotógrafo amador nos tempos livres. Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas pela FLUP e Pós-graduado em Supervisão pedagógica e formação de formadores.Do bipolarismo americano ao bipolarismo tripartido francês: que futuro para o bloco do meio, onde costumava morar a virtude, entre os dois extremismos?
A sociedade americana, desde a sua fundação, dividiu-se em dois lados: Democratas e Republicanos. Fruto, talvez, da experiência britânica do século XVII, dos Whigs e Tories. Não viria grande mal ao mundo, só por si. O dual está presente em muitas facetas da nossa vida. O problema começa quando os dois lados começam a divergir e a posicionar-se de modo tão distante e inconciliável como dois continentes cansados da Pangeia.

Se esta jornada começa nos Estados Unidos e nas suas clivagens, que se intensificam agora, para as próximas eleições presidenciais entre Trump e Biden: ora vítima, ora criminoso; ora salvador da pátria, ora coveiro, etc. podemos ir “descendo” cartograficamente em direcção ao sul e não nos faltam exemplos de mais do mesmo: a Venezuela, a Bolívia, o Brasil, a Argentina ou o Chile. Veja-se as ditaduras militares do século XX e o caso de Allende e Pinochet na década de 70.
Estes exemplos são um resumo, entre tantos outros, cujas trincheiras estão bem vincadas: esquerda versus direita (ponham extremas nisso), vanguardistas versus conservadores, populares versus elitistas, enfim. Os conceitos de sociedade, de bem-estar social, progresso, segurança, riqueza e desenvolvimento parece significarem coisas completamente diferentes para uns e para outros. Longe vai o tempo do Tratado de Tordesilhas em que os dois contendores queriam o mesmo.
Do lado de cá do Atlântico, ergue-se uma preocupação que tem vindo a crescer a cada passo, leia-se a cada eleição: a França. E não falo das facções da Revolução Francesa, dos Montanheses, ou Jacobinos, e dos Girondinos. Naqueles dias, ganharam os mais radicais. De há quase quarenta anos para cá, a extrema direita (FN, Front National, primeiro, RN, Rassemblement National, agora) foi subindo os degraus das percentagens. De tal maneira que nas últimas eleições foi necessária uma convergência de quase todas as outras forças políticas para impedir a sua vitória na segunda volta das presidenciais. A excepção foi a extremidade do outro lado (LFI, La France Insoumise, Insubmissa, ou Indigna para os seus opositores, por algumas das suas tomadas de posição).

Manifestação da extrema esquerda em França

Manifestação da extrema direira em França
Este mês, as eleições para o parlamento europeu colocaram o RN como o partido mais votado, pela primeira vez, com mais do dobro dos votos dos dois partidos seguintes. Descalabro! Hecatombe! O presidente francês, Macron, fez uma jogada política arriscada, até suicida, para alguns: demitiu o seu governo e convocou eleições legislativas antecipadas para, pasme-se, o dia 30 deste mês. Apenas três semanas após as europeias. Em Portugal, demoraríamos uns meses para ter tudo pronto; lá, são só quase 50 milhões de eleitores, eles pensam conseguir ter tudo pronto a tempo.
Desde o dia da dissolução do parlamento e do governo, a extrema direita assume-se como favorita à vitória. Para a contrariar, toda a esquerda, desde a mais moderada à mais radical, uniu-se num NFP, Nouveau Front Populaire (socialistas, comunistas, ecologistas, insubmissos…), a fazer lembrar a Frente Popular de há 90 anos, que passou pelo poder, antes da Segunda Guerra Mundial. Os que fazem vida do comentário político deliciam-se com o panorama político: num primeiro momento, como se só houvesse extrema esquerda e extrema direita e a decisão fosse entre os dois, com um deles a vencer; a meio da campanha, parece terem descoberto que há uma outra força, a do centro, do macronismo, o partido Renaissance, que quer isolar os extremismos, combater a banalização do ódio, erguer diques, como diz o primeiro-ministro Attal, e recuperar os resultados de 2017. A tarefa não se afigura fácil e o risco de se repetirem os erros do século passado estão cada vez mais presentes.