
Renato Ferreira
Professor do ensino básico e secundário. Poeta e fotógrafo amador nos tempos livres. Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas pela FLUP e Pós-graduado em Supervisão pedagógica e formação de formadores.Pois que as conquistas civilizacionais custaram demasiado para serem agora subordinadas a pequenos interesses pessoais.
A Revolução Francesa, através de Montesquieu (inspirado, é certo, na Antiga Grécia e no constitucionalismo inglês, o que não lhe retira importância), um dos seus pais, legou-nos a separação dos poderes: o executivo, no nosso caso exercido pelo Governo; o legislativo, atribuído ao Parlamento e o judicial, o dos Magistrados e dos Tribunais. Por separação entenda-se que cada um deles é independente dos outros dois e não pode, ou não deve, sofrer a influência de um dos outros. Era o fim do Antigo Regime e do Absolutismo. A partir daí, os ventos foram-se disseminando por toda a Europa a diferentes velocidades. O problema são os retrocessos.

Se decidi partilhar os meus pontos de vista sobre este assunto em pleno período canicular é precisamente porque a temperatura do debate sobre os Poderes também está em alta. Infelizmente, como em tantos outros assuntos públicos, a informação que nos chega a casa é, de um modo geral, ligeira, incompleta ou até enviesada. Ouvem-se uns responsáveis políticos, ecoam-se os argumentos, dão-se horas de tempo de antena, ou páginas de um semanário (preferencialmente), a uns comentadores que nunca têm de prestar provas de isenção ou equidistância partidária, mas que também raramente assumem as suas tendências e temos uma opinião pública formada com os ingredientes certos, como convém.
Estes episódios têm vindo a crescer, sobretudo na parte do ruído, do coro crítico das decisões que um dos três Poderes tem assumido e que beliscam o ou os outros. Nisto, os diferentes partidos políticos, os do “arco da responsabilidade”, conseguem uma sintonia que noutras áreas anda tão arredada da sua prática pública. “É um ultraje!”, “O Ministério Público exorbita as suas competências!”, “É imperioso demitir!” “É urgente nomear!”. Tudo para que, aqui ou nas regiões autónomas, não se belisque quem não convém.
Os políticos não podem estar imunes ao escrutínio, seja dos restantes Poderes, seja de quem os elegeu. São eles que querem impor a «accountability», a prestação de contas, a todos os trabalhadores, pois bem, têm a obrigação moral, ética, política, como queiram, de fazer o mesmo. A Justiça é representada com uma balança para equilibrar a sua aplicação e uma venda nos olhos para não olhar a quem a aplica, mostrando, assim, a sua isenção. Nem isentos, nem impunes, os homens (e mulheres) que “estão” políticos, “são”, têm de ser tratados da mesma forma, sob pena de termos cada vez mais desiludidos com “os do costume”, os do tal “arco” a fugir para as extremas, como referi no artigo anterior.

Peço-vos um rápido exercício de ficção onde qualquer semelhança com a realidade é fortuita: imaginem uma figura pública que, num dado dia, manifesta a sua opinião sobre o segredo de estado empregando uma bela e muito portuguesa expressão vernacular. 20 anos depois, imaginemos, exprime uma posição diametralmente oposta com a mesmíssima convicção, que não com a mesma forma. O que poderia ser isto? Nada de muito relevante, apenas a conveniência do momento ou o tipo de pessoas envolvidas, nada de memória ou de pudor. Aquilo que em português mais corrente se chama “vergonha na cara”. Já para não falar das teorias da conspiração, aquelas em que nos perguntamos a quem beneficiam.