Joaquim Luís Costa
Licenciado em Ciências Históricas, mestre e doutor em Ciência da Informação. Historiador.E que tal comemorarmos o primeiro dia da nossa nacionalidade?
No passado mês de outubro, durante a campanha autárquica, um líder partidário sugeriu, na Cidade Berço, que o dia 24 de junho de 2028 fosse feriado em Portugal para se comemorar os 900 anos da Batalha de São Mamede. Prontamente, inúmeros políticos e comentadores reagiam negativamente à proposta. Mas será assim tão descabida a ideia de nesse dia ser feriado? Analisemos o assunto do ponto de vista histórico, sem entrar pelo campo político.
A 24 de junho de 1128, forças portucalenses derrotaram D. Teresa de Leão e o seu amante galego, o conde Fernão Peres de Trava, na Batalha de São Mamede, nos arredores de Guimarães. Com este triunfo, Afonso Henriques assumiu o poder no Condado Portucalense.
Esta ação militar não foi idealizada isoladamente pelo jovem Afonso Henriques, que na altura não teria mais de 19 anos, e muito menos foi um ato efetuado apenas por vimaranenses. Foi um movimento coletivo, encabeçado sobretudo pela nobreza portucalense — onde se incluíam famílias do nosso território — contra a influência que o conde de Trava tinha no Condado, alicerçado na confiança (e no amor) nele depositado por D. Teresa.
A vitória nesta batalha evidenciou o desejo de autonomia que se pensava há anos e a viabilidade política de se criar o reino independente de Portugal. Essa batalha foi, assim, um marco importantíssimo para o nosso futuro enquanto nação e uma renovada força para novos atos, como foi, por exemplo, a aclamação de Afonso Henriques pelas suas tropas como Rei de Portugal, em 1139, após a Batalha de Ourique.
Antes do confronto em São Mamede, tivemos demonstrações do desejo de emancipação, como foram as ações militares chefiadas pelo conde D. Henrique ou quando Afonso Henriques se armou cavaleiro em Zamora. Contudo, foi a Batalha de São Mamede que deu a certeza aos partidários da independência que esse era um objetivo alcançável. Daí, muitos historiadores considerarem que este foi o “Primeiro Dia”ou a “Primeira Tarde”de Portugal.
Por isso, comemorar o primeiro momento em que de forma impactante declaramos aos poderes de então que queríamos ser portugueses não é descabido. Antes pelo contrário! Se festejamos a Restauração da Independência, ocorrida no dia 1 de dezembro de 1640, e a mudança de regime, que aconteceu a 5 de outubro de 1910, qual o motivo para não festejarmos 1128?
Assim, acho que não vinha nenhum mal ao mundo se, excecionalmente, o dia 24 de junho de 2028, que será um sábado, fosse feriado de âmbito nacional, e não apenas em Guimarães, para lembrar simbolicamente a mais bonita tarde portuguesa.

Enquadrada neste texto, está a imagem de uma pintura óleo sobre tela que se encontra exposta no Museu da Assembleia da República. Tem a designação de A Primeira Tarde Portuguesa e foi seu pintor Acácio Lino (1878-1956), natural do nosso território — freguesia de Travanca, concelho de Amarante. Nela se opõem dois exércitos: à direita, temos um exército liderado por um homem (será Afonso Henriques?), a cavalo e de braço erguido, a incentivar os soldados a seguirem em frente contra o exército do reino que não nos quer independentes.
Como sugestão de leitura, recomendo o texto da conferência que o historiador José Mattoso proferiu na Sociedade Martins Sarmento, em 24 de junho de 1978, e que se encontra no livro Portugal Medieval, novas interpretações, editado em 1992.