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Ser Idoso: Entre o Valor da Experiência e a Complexidade da Vida em família

por Adão Rocha
Adão Rocha opinião Vale do Sousa TV
Adão Rocha
Técnico Auxiliar de Saúde, Licenciado em Gerontologia Social, formador e membro ativo na sociedade. Aprecia folclore, atletismo e caminhadas.

Ser idoso deveria representar, acima de tudo, uma etapa de plenitude, reconhecimento, uma fase de vida valorizada e de dignidade. Uma altura em que a experiência acumulada ao longo dos anos fosse vista como um património social, cultural e humano. 

No entanto, a realidade mostra-nos que, muitas vezes, o envelhecimento é interpretado através de estereótipos simplistas e persistentes — um deles a ideia de que o idoso regressa a uma espécie de “infância tardia”, infantiliza-se como se a velhice fosse sinónimo de fragilidade emocional, dependência ou incapacidade. Esta visão limitada não só é injusta como ignora a enorme diversidade que existe dentro desta faixa etária.

Embora não se trate de uma verdade universal, é inegável que, em muitos casos, o comportamento do idoso pode aproximar-se desse imaginário, fruto de uma complexa combinação de fatores biológicos, sociais, culturais e familiares.

A forma como cada pessoa envelhece é profundamente influenciada pela vida que levou. O percurso individual — marcado por experiências, desafios, oportunidades e contextos sociais — molda a maneira como se chega à idade avançada.

O meio social onde cresceu e envelhece, as habilitações académicas, a profissão que exerceu, a dinâmica familiar, as crenças religiosas, a cultura e até a pertença a determinada etnia — tudo isto contribui para moldar a forma de estar dos idosos. Acrescem ainda as doenças crónicas, as demências e, naturalmente, a personalidade de cada um. 

A velhice não é homogénea; é plural e multifacetada. Há idosos ativos, independentes e resilientes, e há idosos frágeis, dependentes ou emocionalmente desgastados. E todos eles têm histórias que justificam quem são hoje.

O meio social onde se vive desempenha um papel central. Idosos inseridos em comunidades ativas, solidárias e com acesso a serviços tendem a envelhecer de forma mais saudável e participativa. Pelo contrário, ambientes isolados ou pouco inclusivos podem acelerar o afastamento social e a perda de autonomia.

As habilitações académicas e os níveis de literacia também influenciam a forma como se envelhece. A capacidade de compreender informação médica, de continuar a participar em atividades culturais ou de se adaptar a novas tecnologias depende, em parte, da educação recebida. Porém, este não é um fator determinante: muitos idosos com baixa escolaridade revelam uma sabedoria prática e emocional que transcende qualquer diploma.

A família é outro pilar essencial. O idoso que conta com apoio afetivo, diálogo e respeito tende a manter-se mais ativo e confiante. Já a ausência de suporte familiar pode gerar sentimentos de inutilidade, solidão e abandono, reforçando estereótipos negativos.

A profissão desempenhada durante a vida também deixa marcas. Quem exerceu trabalhos fisicamente exigentes pode enfrentar maiores limitações físicas na velhice. Já profissões intelectualmente estimulantes tendem a contribuir para uma maior reserva cognitiva. Contudo, todos os percursos laborais são dignos e transportam consigo histórias de esforço e resiliência.

As doenças e as demências, especialmente a doença de Alzheimer, são fatores que afetam profundamente a autonomia. Mas é essencial diferenciar envelhecimento normal de patologia. Nem todo idoso é doente, nem toda fragilidade é incapacidade. A sociedade deve saber lidar com estas realidades sem reduzir a identidade da pessoa à sua condição clínica.

A personalidade acompanha o indivíduo ao longo da vida. Há idosos mais teimosos, outros mais serenos; alguns conservadores, outros inovadores; alguns introvertidos, outros comunicativos. Generalizar é ignorar a riqueza humana que existe nesta fase da vida.

Os estereótipos, contudo, pesam. “Idadismo” — preconceito baseado na idade — é uma forma silenciosa de discriminação que infantiliza, exclui e diminui o valor da pessoa idosa. É uma visão que precisa urgentemente de ser desconstruída.

Também as crenças religiosas, a cultura e as etnias influenciam profundamente o envelhecimento. Em algumas culturas, o idoso é venerado como fonte de sabedoria; noutras, é empurrado para a margem da sociedade. A forma como valorizamos os mais velhos diz muito sobre quem somos enquanto comunidade.

No entanto, ao observarmos a realidade portuguesa, é frequente surgirem críticas quando alguém identifica aquilo que aparenta ser “abandono” dos idosos. É importante compreender que muitos desses casos não correspondem à ideia simplista de negligência. Muitas vezes são o resultado de um conjunto de circunstâncias complexas: rotinas familiares intensas, horários de trabalho impossíveis, falta de apoio institucional, dificuldades económicas e, em alguns casos, a própria resistência ou teimosia do idoso, que rejeita ajuda, cuidados formais ou adaptações necessárias.

Cuidar de um idoso pode ser, em determinados contextos, desgastante — e esta é uma verdade que raramente se diz com frontalidade. Há idosos que, devido à doença, à personalidade ou à perda de capacidades, se tornam autoritários, agressivos ou emocionalmente exigentes. Há familiares que, por mais amor que sintam, veem a sua própria saúde física e mental deteriorar-se sob o peso dessa responsabilidade. 

É aqui que surge um dilema doloroso: retirar autonomia ao idoso ou protegê-lo? Tratá-lo como criança ou respeitar as suas decisões, mesmo quando são prejudiciais? Persistir ou admitir que não é possível cuidar sozinho?

A sociedade, porém, tende a julgar rapidamente. Quem coloca um familiar num lar é visto como insensível; quem mantém o idoso em casa é considerado irresponsável caso algo corra mal. Vive-se entre dois extremos, quase sempre incompreendidos, e sem uma verdadeira rede de apoio que auxilie famílias e idosos nas necessidades reais do quotidiano. Em Portugal, o apoio estruturado e eficaz a esta população ainda está longe de corresponder aos desafios que o envelhecimento acentuado do país nos impõe.

Viver a idade maior é, hoje, um desafio para todos: para os idosos, para as famílias, para os profissionais de saúde e para o próprio Estado. Envelhecer deveria ser uma etapa digna, acompanhada e respeitada. Para isso, precisamos de repensar políticas públicas, reforçar redes formais e informais de apoio, combater estereótipos e, acima de tudo, compreender que cada idoso é uma pessoa inteira, com um passado, um presente e direitos garantidos.

Em última análise, ser idoso não é regressar à infância, mas sim carregar consigo a soma de uma vida inteira. É uma fase que merece respeito, apoio e reconhecimento. Valorizar os idosos não é apenas um gesto de justiça social; é também um investimento no futuro de todos nós — a forma como tratamos os nossos idosos revela muito sobre quem somos enquanto sociedade — porque, se a vida correr como desejamos, um dia também ocuparemos esse lugar.

Uma sociedade que desvaloriza a sua memória compromete o seu próprio amanhã.

Adão Rocha

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